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segunda-feira

O que Joseph Ratzinger sabia?

O papa é acusado de acobertar casos de pedofilia quando cardeal. O Vaticano denuncia um complô
Juliano Machado Com Julio Lamas
L’Osservatore Romano
CRISE
O papa cumprimenta seu irmão, Georg, agora acusado de agredir alunos de um coral
A sucessão de escândalos de abusos sexuais envolvendo padres em vários países não está causando espanto entre os fiéis apenas pela gravidade dos atos em si, o que já seria compreensível. A preocupação sobre o futuro do catolicismo aumenta porque as denúncias mais recentes atingem, ainda que por enquanto indiretamente, a figura central da Igreja: o papa.
Talvez o caso mais complicado entre os que puseram Bento XVI em uma posição delicada seja o revelado na semana passada pelo The New York Times. O jornal americano teve acesso a uma investigação interna sobre o padre Lawrence Murphy, do Estado de Wisconsin. Ele teria abusado de até 200 crianças com deficiência auditiva entre 1950 e 1974, quando era capelão numa escola especial. Em 1996, o arcebispo de Milwaukee, Rembert Weakland, enviou duas cartas ao Vaticano em que denunciava o comportamento de Murphy. O destinatário era Joseph Ratzinger, então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, órgão responsável por determinar ou não punições a sacerdotes. Nove anos depois, Ratzinger se tornaria o papa Bento XVI. Naquela época, ele não respondeu a nenhuma das cartas do arcebispo e ainda recebeu uma de Murphy pedindo para não ser punido porque se arrependera. Murphy morreu em 1998, sem nunca ter sido julgado por seus crimes.
Esse caso expõe uma característica comum à maioria das denúncias de pedofilia contra sacerdotes, inclusive no Brasil: a tentativa da Igreja de abafar os escândalos (leia o quadro abaixo). Além de Murphy, Bento XVI também é acusado de ter “poupado” um padre alemão, na época em que era arcebispo de Munique, em 1980. O sacerdote era Peter Hullermann, acusado de molestar uma criança em outra cidade. Ratzinger o aceitou em sua diocese e lhe recomendou apenas “terapia”. Só na semana passada, quase 30 anos após a denúncia, Hullermann foi expulso da Igreja. O momento do papa é tão ruim que até sua família traz problemas: seu irmão, Georg, admitiu que agredia alguns alunos num coral que ele dirigiu por três décadas.
Até agora a medida mais concreta tomada por Bento XVI ante o escândalo da pedofilia foi escrever uma carta endereçada aos fiéis da Irlanda. Lá, um relatório de uma comissão independente revelou que milhares de crianças foram violentadas em instituições de ensino católicas entre 1930 e 1990. No texto, ele diz se sentir “perturbado” pelas denúncias e que não deixava de “partilhar o pavor e a sensação de traição”. No entanto, nenhuma palavra sobre punição aos que abusaram, nem dentro da instituição e muito menos na Justiça comum (leia o artigo de Christopher Hitchens).
Alguns membros da Igreja já questionam se o celibato
não é um fator que leva ao abuso de menores
Alguns representantes do Vaticano enxergam uma perseguição ao papa, como se a revelação das denúncias fosse uma campanha para enfraquecê-lo. O vaticanista italiano Andrea Tornielli não concorda com isso, mas reconhece que o tratamento dado a Bento XVI é bem diferente do que tinha seu antecessor, João Paulo II, morto em 2005. “João Paulo II era um campeão de carisma, e por isso recebia críticas mais suaves que Bento XVI.” Por conta de seu passado como integrante da Juventude Hitlerista, Ratzinger nunca ganhou a simpatia do judaísmo e é visto como inflexível também por outras religiões. Seu envolvimento nas denúncias de abusos sexuais só fez piorar sua imagem.
Embora João Paulo II tenha enfrentado poucas denúncias de pedofilia em seu longo papado – a pior foi de Boston, em 2002 –, a forma como lidou com este escândalo não diferiu muito do que agora tem feito Bento XVI, afirma Tornielli. Só depois de muita pressão João Paulo II aceitou a renúncia do arcebispo Bernard Law, acusado de acobertar o caso, mas não fez nenhum comunicado público sobre o episódio. Karol Wojtyla confiou a investigação desses casos justamente a Ratzinger, que foi o prefeito da Congregação entre 1981 e 2005, até se tornar papa.
A dificuldade de lidar com a pedofilia é evidente. Há quem questione, dentro da Igreja, se o celibato não é um dos fatores que podem ter levado a essa situação. Há duas semanas, o arcebispo de Viena, Christoph Schönborg, escreveu um artigo, sem se referir abertamente à privação do sexo, dizendo que a Igreja precisava buscar na formação dos padres as causas dos abusos. Seu colega de Salzburgo, Alois Kothgasser, foi mais direto. “Os tempos e a sociedade mudaram. Por isso, a Igreja deve se perguntar se pode manter este modo de vida (o celibato) ou se algo deve mudar”, afirmou a uma rádio austríaca.
Esperar punições severas por parte do Vaticano aos pedófilos parece algo distante. Bento XVI ainda tem muito de Joseph Ratzinger a deixar para trás – como a decisão, então como prefeito da Congregação, de proibir bispos de contribuir com investigações sobre abusos sexuais de sacerdotes. Se não o fizer, corre o risco de ver sua Igreja ser corroída pelo pior dos segredos.

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