Yoani Sánchez escreve carta para o presidente brasileiro pedindo que a ajude a obter a autorização do governo cubano para viajar
Juliano Machado
DE CUBA, COM CARINHO
Yoani Sánchez posa com Dado Galvão, segundo o livro lançado em outubro no Brasil
Yoani Sánchez posa com Dado Galvão, segundo o livro lançado em outubro no Brasil
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Por telefone, Yoani afirmou que a carta não tem “intenção midiática” e que espera “tocar as fibras sensíveis e interiores” do presidente brasileiro. “Ultimamente Lula tendeu a se aproximar de uma ideologia partidária. Minha carta tenta estender uma ponte entre ele e a cidadania cubana.” Uma cópia está com o documentarista Dado Galvão, que foi a Cuba em dezembro do ano passado para participar de um festival e aproveitou a viagem para contar a história da blogueira. “Foi minha mãe quem me falou de Yoani, dizendo que eu precisava falar das coisas que ela estava fazendo por Cuba”, diz Dado. Ele pretende entregá-la ao governador da Bahia, Jaques Wagner, um dos políticos mais próximos de Lula e que poderia convencer o presidente a considerar o caso de Yoani. A audiência com Wagner ainda está sendo negociada, mas pode ocorrer na próxima semana. Dado vive em Jequié, uma cidade de 150 mil habitantes no sul da Bahia, a 360 quilômetros de Salvador. É para lá que Yoani pretende ir para a estreia do documentário. “Estou convencida de não encontrar dificuldades para obter o visto de sua embaixada (do Brasil) em Havana, mas também tenho certeza de que as autoridades de meu país vão voltar a me negar a autorização de saída”, escreve Yoani. O pedido de Yoani deve colocar Lula novamente em uma situação delicada. Há um mês, ele visitou Cuba e desembarcou em Havana no mesmo dia que o dissidente Orlando Zapata Tamayo morreu após uma greve de fome de 83 dias. Na ocasião, um grupo de opositores ao regime enviou uma carta pedindo a Lula que chamasse a atenção da comunidade internacional para a situação dos presos políticos em Cuba. Lula disse não ter recebido a carta. “As pessoas precisam parar com o hábito de fazer carta, guardar para si e depois dizer que mandaram”, afirmou. “Se essas pessoas tivessem falado comigo antes, eu teria pedido para ele (Zapata) parar a greve e quem sabe teria evitado que ele morresse.” Na conversa com ÉPOCA, Yoani classificou as declarações de Lula como “infelizes” e as creditou “a uma base na desinformação e à cega confiança nas pessoas que governam Cuba”. Segundo ela, “Lula já deve ter refletido melhor sobre o que aconteceu aqui”.
Esta não é a primeira vez que Yoani tenta vir ao Brasil. Em outubro, ela foi convidada para o lançamento da versão em português de seu livro De Cuba, com carinho. Até mesmo o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso enviou uma carta ao governo cubano pedindo que Havana concedesse uma saída temporária a Yoani. Não adiantou nada. Ela não viaja para o exterior desde 2004 – já pediu autorização seis vezes, todas sem sucesso. Mas não perde o otimismo. “Enquanto o presidente Lula não mostrar que desconsiderou meu pedido, vou dar crédito a ele.”
Leia a tradução da carta de Yoani Sánchez
Havana, 14 de março de 2010Ao senhor Luiz Inácio Lula da Silva, presidente de Brasil
Uma vez alguém me contou que os barcos em que se traficavam escravos africanos deixavam parte de sua carga em Cuba e outra na costa atlântica do Brasil. Assim, separavam irmãos, pais e filhos e amigos de toda uma vida. Assim, nessa bifurcação, nossos povos compartilham a mesma raiz.
Por isso nos parece tão perversa qualquer coisa que tente nos separar, por isso sonhamos que algum dia haja livre circulação entre todas as nossas nações americanas, por isso não consigo entender por que as autoridades de meu país me impedem de visitar o seu.
Na primeira ocasião, em outubro de 2009, pretendia fazer o lançamento do meu livro De Cuba com carinho, publicado pela editora Contexto. O escritório de migração que se ocupa de conceder as autorizações de saída do país aos cidadãos cubanos me informou que eu não estava autorizada a viajar. Esta era a quarta vez que me negavam esta autorização. Anteriormente, me haviam impedido de viajar à Espanha, para receber o prêmio Ortega y Gasset (de Jornalismo), em seguida para a Polônia e depois para os Estados Unidos, onde receberia a menção especial do (prêmio) Maria Moors Cabot na Universidade Columbia. Fui convocada pela segunda vez para ir ao Brasil, agora para o lançamento de um documentário sobre minha pessoa, feito por um grupo de diretores em Jequié (no interior da Bahia). Estou convencida de não encontrar dificuldades para obter o visto de sua embaixada em Havana, mas também tenho a certeza de que as autoridades do meu país voltarão a me negar a autorização de saída.
O senhor deu recentes demonstrações de possuir grande confiança na boa fé do governo cubano. Alimento a esperança de que, talvez, aqueles que governam meu país queiram manter viva esta sua confiança e – para não frustrá-lo – atendam a seu pedido de que me deem a autorização para visitar o Brasil. O senhor somente estaria pedindo em meu nome o que para qualquer brasileiro – e para qualquer ser humano – é um direito inalienável.
Desculpe-me que lhe tenha roubado o tempo que o senhor levou para ler esta carta e me desculpe também por tê-la escrito em espanhol. Não me desculpe, porém, pela minha crença de que o senhor deseja para os cubanos os mesmos direitos que deseja ver cumpridos entre os brasileiros.
Yoani Sánchez Cordero
DEPOIMENTO
Yoani falou para a câmera do documentarista Dado Galvão em dezembro. Confira mais fotos das filmagens em Cuba
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